Creche nas Universidades?? Já!!

Por – Thais Cimino – 06 Abril 2016


“O que eu fiz pra deixar minha mãe triste assim? Por que minha mãe foi expulsa da aula por minha culpa?”

Essas duas perguntas encheram a cabeça da Anya, minha filha de 5 anos, durante a tarde de hoje, em que passou na sala da Orientadora Pedagógica da escola dela tentando entender como uma professora pode fazer algo tão agressivo.
Sou aluna do Instituto de Letras da UFRGS e hoje fui covardemente exposta, constrangida e humilhada por uma professora do departamento quando entrei com a minha filha pela mão na sala e durante a aula.”

Nina Bittencourt, tem 27 anos, é estudante de letras e professora de inglês e mãe de uma menina de cinco anos. No dia 1º de Abril deixou muitas de nós de boca aberta com a sua postagem no Facebook. Uma pena que não, não era uma “brincadeira” de 1º de Abril, ela expôs uma dura realidade, a qual muitas mulheres enfrentam no ambiente acadêmico.

Algo tem que estar muito errado, mas MUITO errado, para uma professora, uma educadora, uma mulher, ter uma atitude tão inadequada, abusiva e agressiva direcionada a outra mulher que é uma aluna, uma mãe, e também educadora! Mas espera: isso sem contar que ela estava acompanhada de uma CRIANÇA de 5 anos! Sua filha, que não, ela não tinha com quem deixar e precisou ir assistir a aula com ela. Sua filha que já teve que ser exposta a tamanha violência com apenas 5 anos de idade. Sua filha vivendo na pele a exclusão, o preconceito, a agressividade, a desaprovação e a falta de suporte social que as mulheres, mães e crianças sofrem diariamente na vida cotidiana, no meio acadêmico, no trabalho… mãe e filha recebendo tudo isso… de outra mulher.

As meninas do Eu,mãe gentilmente nos permitiram reproduzir aqui a entrevista que fizeram com a Nina, que contou um pouco mais sobre a sua história e deixou mais esse Desabafo sobre a situação abusiva vivida na Universidade:

“Nesta última semana eu ouvi diversas vezes que “lugar de criança não é na universidade”. E eu concordo demais com isso. Mas acho também que universidade é lugar de mãe.

Então eu continuaria a frase assim: “Lugar de criança não é na universidade. E aí, universidade? O que vocês vão fazer?”
Esse foi um dos motivos pelo qual eu não queria engravidar no momento em que isso aconteceu. Eu tinha 21 anos e descobri que estava grávida na semana seguinte em que eu passei no vestibular para a faculdade de letras. Eu iria, inclusive, sair do meu emprego para me dedicar somente aos estudos. Mas isso não aconteceu.

A minha gravidez foi acidental – eu tinha acabado de voltar a namorar o pai da minha filha e a nossa relação sempre foi complicada. Não era pra ter acontecido, foi uma surpresa. Eu achava que não era o momento, eu não queria ser mãe, e por isso pensei em fazer um aborto. Mas por aqui o aborto não é legalizado e as condições a que uma mulher precisa se submeter no Brasil para isso me desanimaram, e qualquer plano neste sentido foi destruído no momento em que eu ouvi o coração da minha filha bater no primeiro ultrassom.

E hoje toda a minha vida é pra ela.

Eu tive que trabalhar durante a gravidez, a minha filha nasceu no meio do segundo semestre da faculdade e eu tive que trancar. Não sei se isso acontece só na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), mas eu tive direito a uma licença maternidade de quatro meses. Meus professores na época eram bem legais, me mandavam coisas por e-mail. Mas mesmo assim, eu tive que deixar algumas disciplinas pra trás porque eu não poderia estudar de manhã e à tarde, por causa do meu trabalho.

Eu tive todo o apoio da minha família, ainda morava com os meus pais na época, e quando tive que voltar a trabalhar e estudar a minha filha ficava com a minha avó.

Eu e meu ex-marido compramos uma casa juntos, mas nos separamos pouco tempo depois. E assim eu conciliei faculdade, trabalho e maternidade. A ajuda da minha família era essencial.

O problema é que, há alguns meses, a minha avó, que cuidava da minha filha enquanto eu estudava de manhã, ficou doente. Ela tem câncer e fica muito debilitada por conta das sessões de quimioterapia. A minha filha estuda à tarde, é bolsista no colégio em que eu dou aulas de inglês. Meus pais e minhas irmãs trabalham, e eu me vi sem ter com quem deixar a minha filha.
Decidi então levar a minha filha para algumas aulas comigo. Em cinco anos na universidade, acredito que tive que levá-la comigo umas dez vezes. Ela tem cinco anos, nunca causou problemas para ninguém. E não causou mesmo, quem fez isso foi outra pessoa.

Naquela quinta-feira eu tinha duas aulas pela manhã. Na primeira, das 8h às 10h, minha filha me acompanhou, sentada no chão brincando com suas bonecas. A professora não só agiu com a maior naturalidade do mundo como até deu um desenho de presente pra ela.

A segunda aula era de uma disciplina importante: ela ainda era do primeiro ano e eu tive que abandoná-la por conta do nascimento da minha filha. Como eu tive problemas na gravidez eu poderia pedir uma licença-saúde, mas optei por não fazer isso porque essa licença iria afetar a minha licença maternidade. Então optei por repetir por faltas e fazê-la somente agora.

Logo que entrei na sala com a minha filha, a professora perguntou, incrédula, se a menina iria ficar ali. Eu disse que sim e ela perguntou se ela podia entrar, se ela tinha que permitir. Ela então prosseguiu perguntando se eu não tinha ninguém com quem deixar a criança, disse que crianças na idade dela se chateiam fácil. Eu disse que não e que ela ficaria ali quietinha comigo. Diante da insistência dela na frente de todos os meus colegas, eu fui enfática: “A única maneira de eu me manter na universidade é que ela venha comigo. Então ela vai ficar aqui sentadinha brincando.”

Eu então tentei encerrar o assunto. Minha filha estava em um canto da sala, sentada no chão, cochichando com as suas bonecas. Em quinze minutos, vi a professora lançar olhares feios pra ela e dar suspiros de desaprovação.

Até que de repente ela parou tudo mais uma vez e perguntou se eu realmente não tinha ninguém com quem deixar a minha filha de uma maneira que a minha menina se assustou, assim como eu e outros colegas da minha sala. Outras pessoas interferiram dizendo que ela não podia agir dessa maneira, que ela estava errada, mas neste momento eu já estava arrumando minhas coisas, pegando minha filha e avisando que faria uma denúncia contra essa professora.

Fui para a Comissão de Graduação contar o que tinha acontecido, e imagina a minha surpresa ao ver que a professora, bastante alterada, foi atrás dizendo que a minha filha estava atrapalhando a aula porque estava brincando enquanto a funcionária, muito solícita, dizia o que eu tinha que fazer sobre o assunto.
E enquanto a professora tentava se justificar, a minha filha disse que iria sair dali, muito assustada, e eu disse que não, porque nós sairíamos juntas e que eu não tinha nada para falar para aquela professora, e saí sem sequer me dirigir a ela, afinal eu não precisava mais expor a minha menina a toda aquela agressividade e humilhação.

Antes mesmo de sair da faculdade de letras eu já recebi o apoio do Centro de Estudantes. E aí eu fui pra casa da minha avó almoçar, mas nem consegui comer. À tarde fui deixar minha filha na escola e pela primeira vez ela não quis se separar de mim. Ela não queria sair do meu colo, e a monitora com bastante jeito conseguiu que ela ficasse. No final do dia a professora me relatou que encontrou minha filha deitada no tapete sozinha, sem querer brincar, choramingando.

Ela roeu tanto as unhas do dedinho que chegou a sangrar.
Só à noite eu consegui pensar melhor e decidi que eu não podia deixar barato, que aquilo não podia ficar só na esfera da universidade porque havia o risco de ser abafado – até o momento não está sendo. A diretora do Instituto de Letras me mostrou apoio, mas ainda não aconteceu nenhuma ação concreta.
Eu fiquei totalmente incrédula com tudo o que aconteceu comigo, ainda mais por tudo isso ter vindo de uma outra mulher. A gente sempre espera empatia, só que não aconteceu. Além disso eu também sou educadora e eu não esperava que isso viesse de uma colega de profissão.

Acredito que o que aconteceu comigo seja uma boa oportunidade de viabilizar a pauta da maternidade, principalmente em relação à permanência das mães no mercado de trabalho. A gente tem que falar que a única maneira da mãe continuar estudando é tendo aonde deixar os filhos. E se a instituição de ensino não oferece uma creche a mãe tem duas opções: ou ela vai sair da universidade ou ela vai levar a criança junto.

E para mim sair da universidade nunca foi uma opção. E não deveria ser pra nenhuma outra mãe. E isso é um assunto que deve ser discutido.

Eu espero que a universidade decida pelo afastamento da professora nesta disciplina, pelo menos na minha turma, para que eu possa continuar frequentando as aulas. Não é certo que eu pare de frequentar, que eu pague pela atitude dela.
Além disso, eu decidi por processar a professora por assédio moral e eu espero que a universidade de posicione favoravelmente à presença de mães com seus filhos nas aulas. E espero que a longo prazo a UFRGS tenha uma creche para os alunos. Hoje ela existe para funcionários concursados e professores, mas está bastante sucateada. Espero que essa discussão agora venha à tona.

Eu sou militante feminista e a minha filha já está inserida neste mundo, nas coisas que tem a ver com ela, que criança tem que saber, como não existir cor pra meninos e meninas. Eu sempre elogio mais o intelecto dela do que a aparência física para mostrar o quanto ela é importante mais pelo que ela pensa e faz do que pela beleza. E eu acho que por isso tudo o que aconteceu foi chocante pra ela. Ela enxerga o mundo de outra maneira. Adora a professora dela, tem uma mãe e uma avó professoras, e não esperava que outra professora fizesse isso.

Antes de entrarmos no carro para irmos embora naquele dia, eu disse para a minha filha que tudo o que aconteceu não era culpa dela, que a professora estava errada e que a mamãe estava fazendo o que a gente tem que fazer quando se depara com uma situação que a gente não concorda: a gente tenta mudar aquela situação. Eu tentei mostrar pra ela que eu estava defendendo algo em que eu acredito.

Eu desejo que a minha dor individual se torne uma luta coletiva para que a gente consiga que nossos direitos sejam preservados.”

Em tempo, a Iniciativa Mulheres Unidas RS criou a seguinte Ideia Legislativa:

Criar creches nas universidades e faculdades do Brasil

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A maioria das mães e também alguns pais enfrentam a dificuldade de trabalhar o dia inteiro e depois ir para a universidade estudar e não ter com quem deixar o filho ou filha. Acesso à educação também se dá na possibilidade de que os alunos tenham oportunidade de estudar, mas essas pessoas são prejudicadas por não ter assistência.

O governo federal, via executivo e legislativo, precisa urgentemente criar dispositivos para obrigar a todas universidades e faculdades terem um espaço para as crianças, filhos dos estudantes, enquanto os pais estudam. Seja através de incentivos para as universidades e faculdades particulares, seja por projetos nas universidades públicas. As universidades precisam acolher as pessoas e entender suas demandas, esse é o princípio básico da isonomia no país. Todas as pessoas tem direito à educação com qualidade. Queremos creches nas universidades do Brasil. Não é mais aceitável que principalmente as mães sejam prejudicadas nesse processo.
O Temos que falar sobre isso se uniu a elas nessa luta! o/ o/ o/
A partir dessa proposta, precisamos atingir 20 mil apoios para que a Ideia Legislativa seja discutida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.
O prazo para a obtenção dos apoios é até o dia 02 de Agosto de 2016! Para apoiar essa ideia, basta acessar o Portal e-Cidadania, preencher seu nome e e-mail, para receber um e-mail de confirmação com o link para confirmar o seu voto.
Para que seu apoio seja contabilizado é imprescindível que o link do e-mail seja validado.  


Compartilhe a proposta! Vamos fazer barulho, vamos apoiar! Temos que falar MUITO sobre isso! É de extrema importância que a maternidade seja pauta mais presente nas lutas feministas!

Vamos juntas mudar a realidade das mulheres mães, é imprescindível a integração dessas mulheres e seus filhos nos espaços acadêmicos, que hoje em dia insistem em excluí-las, de forma constrangedora. Nada mais justo que as mães possam ter acesso à educação: sem serem prejudicadas por regras arbitrárias que ferem a equidade de direitos e de oportunidades, sem que elas e seus filhos sejam expostos à comportamentos abusivos por parte de professores, colegas e representantes de instituições. Já passou da hora de que essa infeliz e brutal realidade seja discutida, debatida, desconstruida, revista e transformada, ainda mais num país como o nosso, onde inúmeras mulheres são as únicas responsáveis pelos filhos, e se desdobram em mil para trabalhar, estudar, cuidar dos filhos, da casa, de si  e vislumbrar um presente e futuro dignos para si próprias e suas crias. Mulheres esforçadas, empenhadas e que lutam por seus direitos não faltam, o que falta é espaço igualitário, justo e acolhedor para que elas tenham acesso à educação (entre outros tantos direitos básicos!) sem que lhes sejam impostas tantas dificuldades e barreiras, sem que tudo tenha que ser uma guerra diária!

#CrecheUniversitáriaJá

2 comentários Adicione o seu

  1. sofiaccadori disse:

    Thais, muito bom o seu texto. Essa causa é de suma importância. Eu já passei por algo similar. Em tempo: eu sou apaixonada pelo Temos que Falar Sobre Isso. Parabéns pela sua iniciativa! Ela faz diferença de verdade! Merci!

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    1. Obrigada de coração! E obrigada por fazer parte!

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