Entrevista com a psicóloga Márcia Rodrigues

Gostaríamos de agradecer a psicóloga Márcia Rodrigues, fundadora do site silencio da luz, pela entrevista concedida a equipe Do Luto à Luta, pela sensibilidade, profissionalismo, empatia e solidariedade a dor do luto na perda gestacional! E pela criação de um espaço virtual dedicado a oferecer suporte aqueles que se sentem diretamente afetados pela perda gestacional.

Vale ressaltar que esta profissional oferece apoio psicológico aos casais que vivenciaram o drama deste tipo de luto, a partir da solicitação deles por email, ou através do site. No site é possível encontrar indicação de filmes, livros, material científico sobre o tema, dentre outros, também como recurso de auxílio na elaboração do luto destas famílias.

Parabéns, querida pela sensibilidade e engajamento com a causa da perda gestacional e neonatal, criação do site, onde é possível ter acesso ao material da ONG Inglesa Sands, pela realização da tese de mestrado sobre o tema, nos ajudando a quebrar o silencio e o tabu que permeiam este assunto e pela generosidade em compartilhar conosco sua experiencia pessoal, a partir da perda das suas filhas Luiza e Ana Elisa.

Do Luto à Luta


Entrevista:

1 – Fale um pouco da sua trajetória pessoal, profissional, como uma apresentação sua que gostaria que fizéssemos. 

Márcia Rodrigues, Psicóloga Mestre em Ciências da Saúde, Doula, esposa e mãe de quatro filhos, sendo que infelizmente duas meninas chegaram acompanhadas do silencio, porque eram natimortas. Pela morte das minhas queridas filhas a minha história abriu caminhos que até aquele momento era desconhecido para mim e meu marido.

O luto parental deixou marcas em mim, o tempo foi amenizando as dores e a cicatriz continua abrindo em épocas diferentes, sem avisar. Eu lembro como se fosse ontem quando me perguntam sobre elas, porque a história é repetitiva, começando da notícia da morte, a chegada em silencio e, por fim, a despedida.

2 – Como surgiu o site silencio da luz?

O silencio da luz surgiu após alguns planos meus e de meu marido para homenagear as nossas filhas. Sou membro e representante de uma ONG na Inglaterra chamada Sands que oferece ajuda aos casais que perdem os bebês, natimorto ou neonatal, há um pouco mais de três décadas. Sands é reconhecida por toda Inglaterra onde grupos de pais acontecem em diferentes cidades. Com minha parceria com o Sands foi criado o site http://www.silenciodaluz.com.br, para ajudar os casais aqui no Brasil. No final de 2015 irei ao Sands para curso de aperfeiçoamento de Doula para atender de imediato a perda gestacional, com objetivo de agregar o conhecimento no Brasil.

3 – Você trabalha com o luto na perda gestacional? De que forma?

Sim, trabalho ajudando casais que perdem os bebês dede 2003, quando apresentei o primeiro de uma sequência de trabalhos científicos em Congressos. Logo após defender o mestrado em 2009 comecei de forma atuante divulgando e atendendo aos casais. A forma de atendimento pode ser as seguintes:

1. Site http://www.silenciodaluz.com.br, onde publiquei um material de apoio para as pessoas em luto poderem se identificar diante as histórias contadas que são semelhantes. Pode encontrar textos traduzidos do Sands para apoiar e orientar nesse momento do luto.

2. Email: silenciodaluz.com. / marciamcrodrigues.com, onde converso com casais de diversos locais do Brasil e outros países. Os e-mails são trocados a partir da necessidade de contato do casal em luto. Aguardo a solicitação de ajuda porque as pessoas enlutadas normalmente têm os seus próprios tempos para se abrirem e fecharem aos contatos. Frequentemente tenho um material de leitura que ajuda o momento do contato.

3. Telefone e WhatsApp : 19 988185521

4. Visitas domiciliares e encontros em locais combinados com os casais, onde a minha escuta e empatia ajudam as pessoas em luto.

5. Visita em Maternidades quando estou trabalhando como Doula Voluntária, onde o respeito, carinho, silencio ajudam as pessoas que estão vivenciando a perda. Oriento os casais sobre o momento único da chegada do bebe e sua despedida.

6. Grupo de auto ajuda (em breve) para oferecer espaço onde os casais possam se sentir acolhidos e seu luto respeitado pelos participantes.

7. Capitação de pessoas (em breve) que passaram pela experiência de perder um bebê e desejam ajudar casais em luto. Fornecerei para essas pessoas curso de capacitação seguindo os princípios metodológicos do Silencio da Luz e Sands.

8. Tornar o Silencio da Luz em uma ONG brasileira (em breve) com objetivo de ajudar casais em todo Brasil que perderam seus filhos durante a gravidez ou logo após o nascimento.

4 – Nós tivemos acesso ao seu site silencio da luz e gostaríamos que nos contasse um pouco sobre o seu surgimento, motivação, expectativas e escolha do título, se possível.

O site Silencio da Luz surgiu após uma reunião realizada em Londres com as duas funcionárias do Sands. Lesley e Sue ouviram meu relato de como era o atendimento aos casais no Brasil que perdiam os bebes e observaram a minha motivação para a pesquisa cientifica e em ajudar casais enlutados pela perda dos bebês. O site foi construído com muita dedicação, traduzi alguns folhetos de ajuda do Sands, além de selecionar bibliografias relacionadas em revistas, livros, vídeos e outras fontes de comunicação. O título é o retrato dos momentos em silencio quando dei à luz para duas filhas. Esse silencio é reconhecido pelas mães e pais que presenciaram o filho natimorto como eu e meu marido. A minha expectativa para o site é que ele alcance todas as pessoas que necessitam de ajuda após a morte de seu filho ou filha ainda bebê e que seja útil a elas.

5 – Você já vivenciou o drama da perda gestacional ou conhece alguém próximo que tenha vivenciado? Se sim, poderia compartilhar um pouco com a gente.

Minhas duas filhas eram natimortas, a primeira estava na Inglaterra e a segunda estava no Brasil. Na Inglaterra recebi atenção durante o trabalho de parto e parto. Após 22 horas aguardando, Luiza veio e foi imediatamente colocada numa banqueta enrolada em manta. Olhei aquele corpinho embrulhado enquanto mexiam ainda no meu corpo. Ela veio aos meus braços sem solicitar e pediram para tirar fotos. Achei estranho, mas eu e meu marido fazíamos o que diziam para ser feito. Hoje as fotos são minhas recordações mais valiosas. Cheguei em casa e recebi telefonema da ONG Sands oferecendo ajuda e visita quando desejássemos. Além da visita, participei de grupo de autoajuda com outras mães enlutadas devido perda de bebês. No Brasil perdi minha segunda filha, estava sem meu marido devido férias. Não conheci Ana Elisa, ela não veio para meus braços e não houve despedida, foi uma morte ignorada na maternidade, ninguém comentou, não houve atenção para a minha dor. Hoje me arrependo de não ter conhecido minha Ana Elisa e despedido; Foram alguns anos para me recuperar do luto e chegar na superação.

6 – Acredita que essa experiência pessoal influenciou no seu trabalho como psicóloga? De que forma?

Sim, comecei a procurar bibliografias na área da Psicologia para entender o que tinha acontecido comigo, meus sentimentos, emoções, minha vida pessoal. Comecei a estudar os temas morte, perdas e luto. Tive interesse no mestrado que não foi fácil encontrar um orientador com um tema escolhido por mim. Precisei de anos de terapia, chorar muito e repetir a história para diferentes pessoas. Após fortalecer por dez anos achei que estava na hora de voltar ao projeto do mestrado e fui buscar na Escola de Enfermagem da USP. Entrevistei nove mães que tiveram filhos natimortos após seis meses da perda para perguntar os momentos mais difíceis da experiência. Elas foram encontradas nas casas através do Centro de Saúde e convidadas a participar. Marcamos dia e horário para entrevista. Como estava realizando pesquisa não identifiquei com a minha história. Foram quatro momentos mais difíceis: má noticia, parto sem sentido, braços vazios e volta para casa.

7 – Acreditamos que a morte ainda é um tabu na nossa cultura e sociedade, que precisamos quebrar o silencio sobre o tema da perda gestacional/neonatal, e você, concorda com a gente? Por isso iniciamos o abaixo assinado online pedindo um maior cuidado com a perda gestacional, criamos a fanpage Do Luto à Luta: Apoio à perda gestacional e o nosso grupo de apoio presencial mensal. De que forma você acredita que podemos fazer esse movimento?

Concordo quando diz que nossa sociedade não autoriza o luto dos casais que perdem os bebês, mas tendo contato com outros países vejo que “só muda o endereço”. Por exemplo, nos Estados Unidos recentemente foi lançado um filme chamado Return to Zero (De volta à estaca zero) com o apelo para a sociedade quebrar o silencio diante dos natimortos. Na Espanha e Portugal através de correspondências e trocas de conhecimentos, vejo que também existem tabus por lá. Não existe uma forma para realizar o movimento, existem exemplos de movimentos que já evoluíram e podemos aproveitar o aprendizado que eles nos trazem. Achei positivas as entrevistas que a fanpage Do Luto à Luta está realizando, é uma forma de trocar conhecimentos e oferecerem ajudas aos casais que estão vivenciando o luto pela perda gestacional. Outras formas de movimentos estão acontecendo através dos grupos no facebook e WatsApp apoiando, ouvindo as histórias, formando laços de amizades. Livros estão surgindo nas prateleiras das livrarias, pesquisas estão sendo defendidas falando sobre perda gestacional. Grupos presenciais estão se formando para compartilhar a dor, ouvir e falar da experiência de perder um filho quando a expectativa era o nascimento.

8 – O que diria aos pais que vivenciaram o drama da perda gestacional e não sentem seu luto autorizado/reconhecido socialmente?

Diria a eles que sinto muito pela perda do filho ou filha. O silencio e o respeito com a dor do casal são importantes nesse momento. Quando estiver oportunidade comentaria que conheço a dor que estão sentindo porque passei por experiência semelhante. Me colocarei a disposição para conversar quando desejar. É comum os casais ficarem isolados com a sua dor e, nos tempos de hoje, eles vão até o computador para procurar pessoas como eles. O encontro com pessoas com histórias semelhantes ajuda muito nesse momento devastador, com emoções oscilantes e doloridas.

9 – Você acredita que podemos nos inspirar em algum tipo de trabalho realizado com a perda gestacional? Qual seria?

Sim, acredito que alguns movimentos existem e podemos nos inspirar neles. Estou à disposição para acrescentar e receber conhecimentos com as pessoas que me mantenho contato. Contudo, existem algumas ONGs nos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha que você poderá conversar através de email, facebook ou fazer uma visita, cursos. Eu escolhi o Sands para me inspirar porque foi fundado em 1978 e hoje o seu trabalho é reconhecido em todo Reino Unido. Quando perdi minhas filhas na Inglaterra recebi ajuda através deles. Realizei o primeiro curso de treinamento no Sands em 2011 e no final de novembro de 2015 estarei realizando o segundo curso de treinamento e outro referente a Doula para atendimento imediato da perda gestacional.

Entrevista concedida pela psicóloga Márcia Rodrigues

Deixe um comentário