Pesadelos, medo constante e flashbacks atormentam você depois do parto? Esses são alguns dos sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) no pós-parto.

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“Descobri que meu parto havia sido feito com fórceps, e nada disso me foi informado(…)tenho sonho de ter um filho, mas só de imaginar tudo isso acontecendo novamente me desespera, tenho vontade de chorar, gritar… Passei noites sem dormir e não entendia o porquê, mas hoje eu sei.”    Relato anônimo sobre violência obstétrica

“(…) aqui dentro eu tenho um buraco negro…enquanto todos diziam que já havia passado e eu deveria ficar feliz pelo bebê estar bem, eu só sentia uma dor emocional monstruosa (que não parou até hoje); eu nunca consegui viver o luto desse parto roubado.”     Relato anônimo sobre violência obstétrica

No blog da ONG, recebemos dezenas de relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica. Os relatos acima mostram um pouco do impacto psicológico que esse trauma tem na vida das mulheres. Quem sofreu violência ou vivenciou um parto traumático pode desenvolver sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que se manifestam em ataques de pânico, ansiedade excessiva, flashbacks, pesadelos constantes, insônia e isolamento social. Foi o que aconteceu comigo no meu pós-parto.

Eu fiquei presa no trânsito por quase uma hora e cheguei no hospital com 7 cm de dilatação. Não havia quarto disponível na maternidade e tive que esperar mais 40 minutos até ir para a sala de parto. A equipe do hospital foi negligente e muitas vezes grosseira comigo. Sofri lesão na bexiga durante o parto e uma laceração de terceiro grau. Fui separada do meu bebê e levada às pressas para o centro cirúrgico. Seis semanas após o parto, novo diagnóstico: fístula retovaginal. Desespero. Outras três cirurgias e um bebê para cuidar e amamentar….

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é desencadeado por um trauma, como por exemplo, uma experiência de quase morte, uma violência, uma humilhação ou ainda um risco de morte ao bebê.[i] O TEPT pode, muitas vezes, ser confundido com a depressão pós-parto, mas os flashbacks e pesadelos constantes são alguns dos sintomas que diferenciam o TEPT da depressão. Outro aspecto do TEPT no puerpério é que situações do cotidiano como andar de carro ou mesmo segurar o bebê podem servir de gatilho para a lembrança dolorosa. É como se a pessoa revivesse o trauma constantemente.

No meu caso, eu tinha muita dificuldade de andar de carro e passar perto de hospitais, já que aquilo me trazia toda a lembrança das consequências do parto. Certa vez, tive uma crise de choro repentina presa no trânsito, quando eu, meu marido e meu bebê voltávamos do supermercado. Eu estava numa avenida próxima à maternidade e entrei em desespero. Senti como se estivesse passando por tudo aquilo novamente. O sentimento tomou conta de mim de repente. Foi assustador. A partir daí, comecei a pesquisar mais sobre TEPT e busquei entender, principalmente, os gatilhos que me levavam a ter as crises.

De acordo com a pesquisadora Sharon Dekel da Escola de Medicina de Harvard, quando uma pessoa passa por um trauma, sua consciência fica num estado anormal de alerta ou “hiper-vigilância”. A amigdala do cérebro, que normalmente é responsável por guardar as nossas memórias, passa a um estado de “hiper-sensibilidade”, o que gera uma sensação exacerbada de medo (também conhecida como “situação de luta ou fuga”). Por conta disso, as mulheres que têm sintomas de TEPT no pós-parto revivem a dor e o trauma com recorrência, como se o trauma estivesse, de fato, acontecendo novamente. [ii]

Estima-se que entre 3% a 10% das mulheres no puerpério apresentem sintomas do TEPT.[iii] Um estudo numa maternidade pública do Rio de Janeiro, que é referência para gestações de alto risco fetal, aponta que 9,4% das pacientes apresentaram TEPT no puerpério (de um total de 456 mulheres entrevistadas).[iv]

O tratamento de TEPT no pós-parto é feito por meio de terapia, grupos de apoio ou em alguns casos, medicação específica. Especialistas apontam que terapias alternativas que envolvem música, meditação, arte e escrita (como diários) também ajudam a mulher a superar o trauma.[v]

Buscar ajuda é fundamental, principalmente quando se nota os primeiros sintomas. Eu busquei acompanhamento psicológico e, em menos de seis meses, já quase não tinha mais pesadelos e flashbacks. Ainda assim, um ano depois do parto, eu tive um crise súbita de choro quando li um relato de uma colega que fez uma cesárea de emergência. Hoje eu sei que alguns assuntos ainda mexem comigo e funcionam como gatilhos para os flashbacks. Mas, graças à terapia e ao acolhimento da minha família, eu aprendi a lidar melhor com esses sentimentos que de vez em quando ainda me atormentam.

Há quase um ano, trabalho como Coordenadora de Projetos na ONG Temos que Falar sobre Isso. O trabalho voluntário tem sido um importante aspecto da minha superação. Por meio dos meus próprios relatos e da produção de materiais informativos, busco informar mulheres sobre questões relevantes da maternidade, como amamentação, traumas obstétricos e TEPT no pós-parto. Se você está passando por alguma dificuldade emocional no puerpério, procure ajuda. Você não está sozinha e conseguirá superar essa difícil etapa!

Fontes:

[i]https://temosquefalarsobreisso.wordpress.com/2015/05/23/transtornos-psiquiatricos-no-pos-parto/

[ii] https://www.theatlantic.com/health/archive/2015/10/the-mothers-who-cant-escape-the-trauma-of-childbirth/408589/

[iii] https://www.theatlantic.com/health/archive/2015/10/the-mothers-who-cant-escape-the-trauma-of-childbirth/408589/

[iv] http://ref.scielo.org/8pxj4d “Transtorno do estresse pós-traumático no puerpério em uma maternidade de alto risco fetal no Município do Rio de Janeiro, Brasil”

[v] https://www.theatlantic.com/health/archive/2015/10/the-mothers-who-cant-escape-the-trauma-of-childbirth/408589/

 

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  1. Vivi tudo isto e ainda não consegui me recuperar. Me sinto roubada, traída no meu direito de ter um parto humanizado. Me distanciei da minha filha. Meu marido não soube me entender. Fiquei sozinha em casa, em um bairro isolado, longe de todos, depois de quase perder minha filha no parto e ela ficar internada no CTI. Ontem foi aniversário dela e uma melancolia tomou conta de mim. Um sentimento de conflito. Alegria e gratidão pela vida dela e tristeza por lembrar daquele dia. Me isolei, não vou a festas infantis, não visito bebês recém nascidos, não gosto de ver fotos de bebês e muito menos de parto. Outro dia uma colega me mandou um vídeo do parto dela. Ouvi o bebê chorar. Eu não tive nada disto. Minha filha não chorou. Eles me sedaram depois do parto. Tem dias que uma tristeza tão grande invade minha vida que eu penso até em fazer besteira. Tenho medo de nunca conseguir superar aquele dia. Tenho medo de minha filha me odiar.

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