Sobre o “outro tipo” de abuso

Por Luzinete R. C. Carvalho (Psicanalista) – 23 Outubro 2015


“Saímos para passear, na volta encontramos duas vizinhas na calçada, Francisco e eu paramos para dar “oi”.

Elas puxam conversa, blá blá blá para lá, blá blá blá para cá, e um pedido de abraço para cá, um pedido de beijo para lá, ambos negados, e uma delas solta o primeiro rótulo:

– Ele é tímido né?

– Quando entrar na escola melhora! – Completa a outra como se a postura do Francisco fosse algo ruim.

Respondo:

– A sua netinha tem a idade dele e vai para a escolinha desde bebê não é? E também não gosta de se aproximar muito de estranhos! De modo geral crianças não gostam de intimidade com pessoas estranhas, e isso na verdade é muito bom.

– Ahhh, mas nós não somos estranhas!

– Dona Fulana, a senhora já entrou na minha casa?

– Não.

– O Francisco e eu já entramos na sua casa?

– Não.

– Então a senhora é um estranha para ele! Na verdade, para mim também, mas eu já sou adulta, entendo melhor essas carências e imposições sociais, e se a senhora quiser um abraço meu eu dou! Se não acha que somos íntimas o bastante para me pedir um abraço, então também não é íntima o bastante para pedir um abraço para ele.”

Este tipo de situação é bastante comum, acontece sempre, certa vez, em uma lanchonete, Renato (marido) se ofereceu para beijar a atendente que insistia em pedir beijo para o Francisco, dissemos, ainda bem humorados, que se ela estava assim tão carente de um beijo, que o Renato poderia beijá-la…

Impressionante como as pessoas abusam das crianças!

ABUSO SIM!

Quando forçamos uma criança a beijar, abraçar, ser tocada por outro, CONTRA A VONTADE DELA, isso é abuso, desrespeito, agressão.

Vale, inclusive, se for por outra criança!

Vale se for por alguém da família, até mesmo se for alguém que tenha “intimidade” com a família!

Vale se a situação for a de forçar um bebê a ir no colo de outras pessoas.

A questão é que se foi forçado, foi negativo.

Na verdade, até quando a criança age assim de forma espontânea precisamos estar atentos.

Devemos tratar as crianças com respeito, com empatia, devemos ensinar que o corpo delas deve ser respeitado, que há limites que devem ser ditados PELA CRIANÇA!

Quando forçamos uma criança a beijar, abraçar ou permitir que a beijem ou abracem contra sua vontade, sob pena de ser considerada mal criada, “tímida” ou mal educada, estamos agredindo um pequeno ser que precisa ser protegido.

Quando expomos  uma criança a isto, estamos passando a perigosa mensagem que criança boazinha é aquela que se permite ser tocada, que criança “boazinha” é aquela que expressa isso através do contato corporal, que a criança “boazinha”, e portanto, a aceita pelos outros, é aquela que não coloca limite sobre seu próprio corpo.

E, infelizmente, não vivemos dias em que podemos passar este tipo de mensagem para nossas crianças!

Elas não tem discernimento para saber quando o toque é aceitável e quando é criminoso.

Em um momento de nossa ausência, ela não saberá se deve impedir a investida, já que foi condicionada a permitir que lhe toquem, pois é assim que agem as crianças “boazinhas”.

Elas precisam aprender a se proteger de todo tipo de abuso, e mais do que gastarmos palavras vazias explicando para crianças pequenas sobre o mundo terrível em que vivemos atualmente, devemos apenas deixar que o instinto natural que elas possuem as proteja!

Devemos explicar conforme a idade, conforme a necessidade, e em uma linguagem adequada como as crianças podem se proteger.

Mas a proteção mais efetiva que podemos oferecer para nossas crianças é através do RESPEITO que começa dentro de casa, começa através do pai, da mãe, dos tios, dos familiares próximos.

E respeitá-las, inclusive, deste tipo de agressão aparentemente inocente e inócua, mas que não é.

E por favor, poupe-nos da compreensão deturpada, pois não estou dizendo que não devemos ensinar as regras sociais para as crianças, não estou dizendo que não devemos mostrar como podem ser cordiais e educadas.

Ensinar bons modos para as crianças é ensinar a cumprimentar, a se despedir, e isso NÃO precisa ser feito obrigando a criança a ser tocada, abraçada, beijada.

Dê você os abraços e beijos que a sociedade carente e abusiva tanto necessita!

Reflita sobre quais mensagens a SUA postura está transmitindo para seus filhos!

Reflita se você está ensinando sobre respeito próprio.

Se você não os respeita, se você não os protege, como eles poderão se defender sozinhos?

Pois no fim, precisamos entender que abuso é sempre abuso, não há diferenças…

Reflita.


Fonte – página Visão Clara – https://www.facebook.com/notes/163113570702751/

18 comentários Adicione o seu

  1. Amanda Busato disse:

    Fico superconstrangida sempre que os pais obrigam as crianças a serem amáveis comigo, acho uó e agradeço repreendendo. Concordo com a autora do texto, mas alguns pais pecam em defender os filhos de forma tão veemente ao invés de ensinar que eles mesmos digam não, obrigado. Se tiver amor na intenção, a pessoa vai aceitar com tranquilidade a negativa e a criança vai sentir o carinho, mesmo sem contato físico. Acredito que as pessoas não precisam ser agredidas pelos pais – ou chamadas de carentes, abusadoras, etc – porque pedem um beijo ou um abraço de uma criança. Não é mais simples que a criança ou os pais – nos casos dos bebês – digam “não, obrigado não me sinto/ele não se sente confortável com isso” ao invés de usar ironia? Só pra diferenciar abuso – aquele que insiste e constrange – com afeto de um conhecido.

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  2. RAFAEL baltar Abrahão disse:

    Criança não é pra ser tocada.

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  3. Gege Soro disse:

    sempre odiei adulto querendo por a mao em mim. digo..abracos e beijo ou tocar no meu rosto qdo crianca. e nao deixo ninguem ficar ponto a mao no meu bb.
    sou taxada de neurotica. mas quem quer o melhor pra meu bb alem de mim??????
    me poupe. quem ta carente que procure adultos e deixem as criancas em paz.

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  4. Ufa que grande alívio Sempre me achei anti-social e me culpava por ter deixdo minha filha também assim.Obrigada,por me livrar desta culpa.

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  5. Rosi Bergara disse:

    nossa nossa pensei desta forma a pura verdade!

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  6. Fernando Mesquita disse:

    Poxa, bacana. É uma temática controversa, mas a abordagem falou bem sobre o caso. Gera retração inicial – por ser algo tão diferente daquilo que vamos no dia a dia, afinal em uma cultura abraçadora e beijadora, é fácil ver isso como excesso. Mas gostei das colocações. Parabéns.

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  7. Tiana disse:

    Como nunca gostei que pessoas me façam algo por obrigação e não costumo agradar outros contrariada, respeito quando a criança nega algo, não pensei em abuso pensei em respeito.

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  8. Maria Teresa disse:

    Gostei do texto. E digo mais: mesmo como adulta, acho um saco beijar e abraçar pessoas “por educação”. Sempre pensei assim mas não divulguei, para não me considerarem antissocial.

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  9. Texto esclarecedor, pois o desejo de tocar, segurar, beijar e balançar um bebê ou criança pequena, que ainda não sabe dizer não, é do adulto, a carência é dele. Infelizmente a nossa sociedade é excessivamente pegajosa, e amor e proteção estão perigosamente associados somente a contato físico. O contato emocional, intelectual e espiritual trazem resultados muito melhores para o desenvolvimento saudável das crianças.

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  10. Natália Lana de Melo disse:

    Confesso que nunca tinha olhado dessa outra maneira. Concordo com você e vou disseminar a idéia.

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  11. Eurico Valverde disse:

    Queria retirar o que disse quanto à exceção: “A questão do abuso vai muito além desse simples contato de afeto, é uma questão psicológica e, ainda, exceção.” Li alguns depoimentos que me fizeram perceber que o abuso é sim capaz de surgir tão cedo, quando da infância. Mas ainda me vejo contrariado ao controle excessivo e ao modo de ditar o comportamento à criança sobre dar abraços ou beijos (respeitando, claro, o consentimento dela), aproximando isto de abuso. O suporte esclarecedor do texto se dá na proteção aos pequenos, mas que seja sem pressão.

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  12. Eurico Valverde disse:

    A parte mais importante pra mim e que mais transpareceu é do cuidado constante e da proteção que devemos dar aos pequenos. Mesmo assim, de um texto bom, acho um exagero esse tipo de colocação sobre o abuso à criança. Acredito também que ela foi feliz quando fala que é necessário o consentimento da criança, mas em outros momentos ela comete o erro/exagero em que “se força a criança a dar um abraço ou beijo”. Isso pode ser interpretado (de melhor forma) em ensinar uma criança a ser carinhosa com o próximo, em ser comunicativa, em apenas demonstrar afeto, como demonstramos aos outros. O povo tá criando a mania de mudar o pensamento e os modos, devido ao medo (um pouco justo) do que pode acontecer onde existe a violência. Mas esta existe em qualquer canto do mundo, em qualquer época (principalmente quando se fala em abuso). Uma vez que a violência é exceção, a regra continua sendo o bom trato com as pessoas, demonstração de afeto, até por um mundo melhor, onde as pessoas se abraçam, se beijão (independente amizade ou não). A questão do abuso vai muito além desse simples contato de afeto, é uma questão psicológica e, ainda, exceção. MAS CLARO, como dito anteriormente, o cuidado deve ser constante, porque é uma criança, porque ela não tem poder de autoproteção, porque ela é dependente da gente e não porque será abusada na próxima esquina. Não se deve tolher a livre capacidade de se relacionar e mostrar carinho pelo próximo pelo medo, mas sim (neste mundo) preservar e dobrar a atenção. Se ela irá dar um beijo naquele parente/amigo que nunca entrou na sua casa, isto não será visto como abuso, será um ato comum. Uma vez que haja um exagero daquele ato, ou uma falta de atenção por parte dos pais, um deslize para um ato mais abusivo, aí sim, a partir daí pode-se considerar abuso. Respeito àqueles que foram abusados no passado e o quanto sofreram e acho foda essa mobilização por melhorar a vida das pessoas, mas ainda vivemos em sociedade onde o convívio e o relacionamento com o próximo é a nossa força, não deixemos que o medo nos tire a liberdade ou que criemos medo onde não existe.

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    1. Gege Soro disse:

      se abraco e beijo sendo amigo ou nao é comum no brasil, em alguns paises europeus isso nao existe.

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  13. Parabéns pelo texto! Alguém que fala a minha linguagem!

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  14. Que bol todo, ê importante guiar a crianza.

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  15. Perfeita reflexão!!!! Gratidão!

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